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sexta-feira, 29 de março de 2019

AS GLICÍNIAS

© João Menéres



AS GLICÍNIAS


nos alpendres de junho perpassa
um halo azul a desprender-se em cheiros
que procuram a terra devagar
numa gaze de luminescências e de abelhas.

é quando cresce a música na intimidade
das glicínias e se despenha o seu perfume
nas sombras mais intensas, como se
falássemos das águas ou da matéria da melancolia

nesta luz feita de sussurros do jardim e
o mundo começasse pelas narinas
e o nó da vida se prendesse
ao voo de um aroma, à sua consciência doce,

arejada entre o chão e as nuvens
desce pelos vãos da solidão macia, lento
como um óleo a alastrar na pele do tempo,
o enredamento grave das glicínias,

para um torpor, para um renascimento,
para uma canção breve das delícias,
um recordar de mágoas, um cacho de silêncios,
um respirar mais fundo, um habitar.

( Vasco da Graça Moura, in ALAMEDA DAS GLICÍNIAS,
editado pela Modo de Ler / 2015 )